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“CUM CLAVIS”, A Fumaça da Esperança

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Por: Antônia Claudino

G1-Globo.com

Na Praça São Pedro, o coração do Vaticano palpita. Milhares de rostos erguem-se em direção à chaminé da Capela Sistina, onde um fio de fumaça pode mudar o rumo de uma história com dois mil anos. Há um silêncio que não é quietude: é o suspense de quem segura o fôlego, misturado ao murmúrio de orações em dezenas de línguas. Ali, sob o mesmo céu, estão peregrinos de todos os continentes, jovens com camisetas do Papa Francisco, freiras de hábitos tradicionais, turistas curiosos. Todos esperam a mesma resposta — um sinal que nasce do fogo.

O conclave, envolto em ritualismos ancestrais, é um teatro de paradoxos. Os cardeais, trancados *”cum clave”* (com chave), carregam nas mãos não apenas votos, mas o peso de séculos. Cada escrutínio é um diálogo entre o que foi e o que pode ser. Quando as urnas são abertas, queimam-se as cédulas, e a fumaça sobe — negra, ainda não. A multidão suspira, mas não desiste. Até que, em algum momento imprevisível, o branco surge. E então os sinos de São Pedro retumbam , rompendo a tensão com um repique que atravessa Roma. É alívio, é júbilo, é o início de um novo capítulo.

The conversation

Mas por trás daquela fumaça branca há mais do que uma escolha: há um embate de sonhos. De um lado, grupos que veem no pontificado de Francisco um sopro necessário — uma Igreja que se inclina aos pobres, questiona estruturas de poder, abraça as periferias existenciais, e ousa falar em ecologia, misericórdia e acolhimento. “*Que ninguém fique para trás*”, repetem em uníssono um lado. Do outro, vozes que temem o excesso de mudança, defendendo uma fé ancorada em dogmas imutáveis, liturgias solenes, e uma moral inquebrantável. Para eles, a tradição não é prisão, mas identidade.

O novo Papa herdará essa tensão. Será ele um pontífice que caminha nas favelas, como Francisco, ou alguém que recoloca a mitra sobre a cabeça, símbolo de uma autoridade quase esquecida? A pergunta paira sobre a praça como o cheiro da fumaça que se dissipa. Há mães que rezam por um mundo menos hostil aos filhos, jovens que desejam ver a Igreja falar sua língua, conservadores que anseiam por certezas em tempos líquidos.

Quando o sino repicar , não será apenas um aviso. Será um chamado — para unir o que parece dividido. A Igreja, como a fumaça que sobe em espirais, nunca segue em linha reta. Ela dança entre ventos antigos e novos, buscando equilíbrio. O desafio do próximo Papa será ouvir o clamor das ruas sem perder o rumo das estrelas.

Enquanto isso, Roma espera. Como sempre esperou. Porque, no fim, a fé católica é feita dessa espera coletiva — e da coragem de acreditar que, mesmo em meio a conflitos, a fumaça branca há de surgir. Sempre.